Filix Jair
11.1.06
 
rés-música
filixjair@yahoo.com.br
FxJ
Este é o resultado mais-que-concreto da primeira parceria efetiva 'FxJ-Flor' (hummmm). Os acordes que se sucedem são assim: |A6|C69|G|D7| Havia a vontade-idéia de um refrão fixo que voltasse, afirmando o local aqui&agora 'Rés'. Em breve nas boas e más casas do Ramo de discos ("estará em oferta n'As Americanas?") ("Je ne sais pas"). Entendre s'entendre.

Rés-música (2005)
(Filix Jair-Flor)

Rés (já é já foi)
Rés (se refaz no contrafluxo)
Rés (reconduz o pensamento)
Rés (desconecta o esperado)
Rés (e se faz em movimento)

Rés

Rés (não arredo o pé daqui)
Rés (quem quiser, venha pra cá!)
Rés (com açucar, com afeto)
Rés (diz aí quem vai estar)
Rés (carioca-francesinho)
Rés (mulatinho vai sambar)

 
sim-yes
filixjair@yahoo.com.br
FxJ
Sim, voltando.
Recentemente o colega Pictotexto acenou com a possibilidade de realizar uma entrevista por escrito com este que vos escreve, mais Florzinha - parceira de aventuras sonoras por aqui e ali. Isso se passou desde agosto de 2005 (ano que já terminou, tendo fluído em branco sem qualquer nova notícia - seqüência que estou quebrando agora), e as coisas foram se desdobrando pouco a pouco até talvez outubro ou novembro ("ah, memória"). Resultou papo interessante, repleto de volteios e algumas revelações (minhas, dela, dele) que acredito realmente dinâmicas para este panorama local e seus infinitos filtros pessoais inevitáveis ("oh, sim"). É o que reproduzo logo abaixo, para deleite dos mais atentos. Não tenho certeza até que ponto pode ser preciso operar uma transposição para que o teor da conversa se revele em todo o seu vapor (barato): não. Como toda entrevista, há algo que flutua enquanto contraponto da fala do entrevistador: pontuações de inflexões. Um camarada meu, chapa de copo, colega de corporação e anti-militarista ao extremo (como eu), comentou contente como certos cortes cairam casualmente consistentes, em série: "valeu o papo, rapaz - a fala gostei - quem é flor que tem voz tão bela e palavras em ritmo?". De imediato saquei CD com gravação inédita de "Rés-música", canção que sacode, acordes encadeados em grupo de 4, quase modal ("ou, penso").

Não, re-voltando.
Entrevista faz sentido, sim Picto: muito boa iniciativa. O que pode derivar daí? Certo que a recepção é mediada por tempos todo próprios, mas não importa. Divirtam-se.

* * * * *

Pictotexto em conversa com Filix Jair e Florzinha (2005)

Pictotexto: O quê é música?

FxJ: A fala, o zumbido do dia a dia, o pensamento mudo que faz os pés baterem no chão. Tudo que retorna como refrão inesquecível, no arrepio do corpo. Transporte público. Ambientes mais ou menos espessos para atravessar quando passo por lugares abertos no centro da cidade (Lgo. da Carioca e arredores), mas que mudam quando entro em um elevador (talvez o acensorista tenha um de pilha rádio). As cordas de aço são acessório que chega depois, neste conjunto e contexto. A respiração sem luz.

Flor: É o silêncio que pontua conversas aqui e ali; flor crescendo, semente que será árvore em algum lugar e que nunca vai se ver; é o que se ouve dentro da cabeça que só a gente ouve e não sabe como traduzir... Sinfonia de microsons misturados à falas e motor de ônibus-carros-motos e etc, é pulsão de algo que Hádvir, para citar meu amigo poeta Alexandre Sá... É a leitura desta resposta ressoando em seu pensamento agora, já, se misturando a outros textos-sons, sons-sons, idéias-sons.

Pictotexto: Sendo assim, vocês crêem numa estreita relação entre visualidade e sonoridade. Isto é sempre possível? E se é possível, como isto se dá? Pela definição de vocês, parece não haver diferença alguma entre som, ruído e música. É isto mesmo?

FxJ: É isso mesmo - ou quase isso. Há diferença entre olho e ouvido (órgão com pálpebra, o primeiro; órgão sempre aberto, o segundo); daí a compulsão em insistir que "o olhouvido ouvê" [AC]. Lá lá lá lálala. Na hora de separar o inseparável a coisa pega - tem que saber para quê, não sei não. Mesmo-mesmo é interessante deixar na confluência, fazer com que aconteça a mixturação. Instrumento é objeto, voz vem do corpo presente - saber dos limites, mas não facilitar consigo ou com outro, outra, etc...

Flor: Por partes então: há sim uma conexão, confluência, relação e etc. entre visualidade e sonoridade. Mas elas também existem individualmente e separadamente criando ainda assim uma espécie de som-imagético e imagem-sonora. Esses híbridos podem ser percebidos com a presença dos dois elementos (som e imagem) ou ainda a partir da ausência de algum deles... Discordo do Filix quando diz que voz vem do corpo presente. Voz vem de corpos, presentes ou não. Corpos de variadas naturezas. A voz da cidade pode ser ouvida através de um registro fotográfico dela, por exemplo. Acredito que exista diferença entre som, ruído e música. Penso que ruído e som podem ser música, mas percebo que há uma estreita relação entre som e ruído... Mas música é "construção" (intencional, incidental, etc...).

Pictotexto: Filix Jair e Florzinha são o quê então? Híbrídos apenas? Ser híbrido é sinônimo de suficiência semântica? Parece que atualmente existe uma tendência bastante clara aos hibridismos e às horizontalidades. Este trajeto é justo no sentido estético/poético? E sendo assim, não corremos o risco de pasteurizarmos a paisagem? (inclusive com perguntas como esta) O que separa FxJ e FL dos cantores de todos os dias das rádios rotineiras? E por falar em trajetórias, o quê ainda nos é possível hádvir (mesmo para além da música)?

FxJ: "Filix Jair", eu lhe responderia, "não é". Com certeza, não me importaria em ser cantor de alguns dias em rádios rotineiras: "essa é pra tocar no rádio", sim. Até onde sei, na parte que me cabe enquanto híbrido, não me basto semanticamente, daí que me mantenho devorador. Horizontalmente, confesso, não acredito em campos de visão que cabem em um só lance de olhos: creio ser necessário girar pescoço (qual movimento de câmera: "ação!") lentamente, para lá e para cá. Além da música eu durmo, mas não sonho. Caro Pictotexto, nada do que hádvir não está já agora senão entre nós (nós-nós); o que conta, sobretudo, é a voz... Não acha, assim?

Flor: Não sei se acredito em pasteurização na arte... Se ela existir o negócio é continuar, ainda que estejamos correndo o risco de virar requeijão... Digo, de misturas, híbridos e etceteras o mundo está cheio: precisamos é ter certeza de qual é o affectio da masterpiece, entende? Ainda que seja uma tendência - Hit-Batidão nos últimos 40 anos - híbridos e contaminações em geral - quando se tem alguma certeza do que se é, ainda que esta certeza mude a cada segundo, ela é suficiente para nos fazer continuar. Como o elemento A que nunca será alcançado para que o movimento do Sujeito não cesse. Quanto ao que me difere de uma cantora de todos os dias das rádios rotineiras, pode ser a mídia: elas cantam no rádio e na tv, nos megashows; eu no chuveiro, para dentro e para fora, em silêncio... E talvez um pouco mais de reflexão e pensamento... Será? Bom, pelo menos tenho alguns volumes da coleção "Os Pensadores"! Hádvir alguém para nos acompanhar neste caminho, o olhar-ouvir ainda que de canto de olhouvido, sem muita atenção introjetamos algo no corpo de "quem vemos e nos olha" e mesmo de quem não vemos que nos olha...

Pictotexto: É engraçado, sabe.... Um dia fiquei assistindo um daqueles programas de auditório daquele apresentador tal dos domingos. E o alvo da tarefa era descobrir em qual ano foi composta e veiculada determinada música. A música era um daqueles pagodinhos água com açúcar + você me traiu. E quando foi revelado o ano de produção... pasmem... 1990... 15 anos. 15 anos de alguma música torpe dos grandes rádios. Fiquei transbordado com alguma sensação esvaziada e quase melancólica... Enfim, vocês acham que o quê se ouve (seja música, som, ruído) hoje, segue uma determinada decrepitude que é comum a outras áreas? Ou nosso caminho (brasileiro) é otimista o suficiente para que possamos supor que nossa exigência musical vem aumentando? E ainda parafraseando John Cage, qual é o futuro da música? Por certo, poderíamos responder que sempre foi assim desde o começo dos tempos. Mas seria possível uma separação (almost econômica always) boa / má música? De qualquer maneira, é bom lembrar que era uma vez um dia em que Mozart era escutado com alguma atenção (embora hoje seja eu incapaz de fazê-lo). E ainda, por quais razões as artes visuais se mantém tão distantes da música e do teatro? Receio de visceralidade? Obrigatoriedade de comportamento cool? Narciso acha feio o quê não é espelho? Sei lá.... Não sei..... Sei lá Mangueira.....

FxJ: Caro Pictotexto: fico achando que hoje é muito fácil apostar na decrepitude, pois ela instalou-se nos genes. Difícil mesmo seria garimpar pedras preciosas, pepitas de ouro, esmeraldas e pérolas falsas: esse é o futuro do presente da música: no garimpo rítmico constante, tipo tchá-tchá-tchá. Não é tão simples quanto "procurar dentro de si" - disto, estamos fartos, pois esta lição já está aprendida. Seria o caso, então, de "procurar aqui fora, olhando em torno, de olhos bem abertos"? Sim e não. Sobram mesmo, ainda nem tanto exploradas, as "regiões de contato", imediatos, mediatos, em atos... Por que? Sei lá não sei não. Mozart era escutado ao vivo, sem rádio-vitrola; isto exigia uma atenção; agora, com rádio-cd-gravador, temos outra atenção - com certeza, agora somos perseguidos por determinados sons musicais e é preciso, a qualquer custo (às vezes) evitá-los. Sobretudo, me divirto - eu quero! - você não? "Chegou o pássaro automático".

Flor: Acho complicado pensar na dicotomia boa/má música. Pensando no que falas, querido Picto, penso que se compararmos pagodinho-chicletinho e música clássica, estaremos falando acerca da velha dicotomia entre música erudita e popular. Não acredito na relação qualidade=erudição. Gosto, já gostei e gostarei de muitas músicas/categorias musicais que não correspondem a uma referência erudita na música - eletrônica, batidão, bate-estaca, MPB...- apesar de também gostar de música erudita e mesmo de referências musicais taxadas de "alternativas". A decrepitude para mim é sim a repetição: uma mentira contada muitas vezes acaba sendo considerada verdade, ou seja, uma "música pasteurizada" ou "por fora bela viola, por dentro pão bolorento" só consegue atingir e colar em muitos ouvidos pois é uma dessas mentiras que se conta ad infinitum nos pop-medium da vida... Quanto a outras áreas, a dança por exemplo é uma área que me parece menos tímida, mais "transatravessada" de alguma maneira... Mas não gosto de generalizar. Sempre acho que algo muito interessante acontece em algum lugar que está distante de nossa percepção: se algo está no sol, o que estará na sombra?

Pictotexto: Sim meus bons amigos, é chegado o pássaro automático. E é claro que talvez não haja problema nenhum nisso. Eis nossa vontade de diversão e de música, pour quoi non? Quando falei sobre Mozart, pagodinho e abismo intransponível, era exatamente um desejo de colocar em paralelo o abismo e uma situação limítrofe; quase de vácuo. Que por sua vez não traz nada de triste, ou de melancólica utopia de não ser inconscientemente melancólico. Enfim.... c'est la vie ãnde.... Mas eu então gostaria de retomar a questão da relação da música com as artes visuais e das artes visuais com o teatro e outras artes. Me parece que as artes visuais descobriram um lugar confortável, onde a sensação que pode vir a ser provocada, é por vezes distante e absolutamente cerebral (quando isto). E talvez o verbo arrebatar fique ainda longe daquilo que se produz atualmente. Ao contrário da música, do teatro e da dança (estou tentando não generalizar... mas perdõem-me o vício inevitável). O que vocês pensam a respeito do assunto? E, por mais que nossa conversa se situe neste não-lugar virtual e informal, me sinto tentado a reproduzir algo que li recentemente..... apenas chat.... "de que a função essencial da arte moderna era dividir o público em duas classes - a que pode compreender e a que não pode. Não há nenhuma outra baliza, (...) exceto manter a distância e reafirmar a superioridade do que é culto e criativo: a significação da minoria era calculada para ser diretamente proporcional à sua habilidade de maltratar e confundir as massas." Zygmunt Bauman in O mal estar da pós-modernidade.

FxJ: Não, não concordo de modo nenhum com Zygmunt: em minha modernidade de subúrbio, que se prolonga em uma pós-modernidade em linhas de ônibus e outras formas de transporte público de qualificação duvidosa, percebo que este senhor ZB nada compreendeu do quesito 'arte&derivações' do período 'moderno&desconstruções': justamente aqueles senhores e senhoras que mais admiramos - referentes ao período - procuraram desviar-se da linha reta e esmeraram-se na quebra de barreiras duras: "o longo processo de instalação de passagens e fronteiras fluxo-flexíveis" (ISO-9009, catálogos sob solicitação). Ou seja, o diagnóstico é nada-haver com segmentações do tipo "elitismo" histérico (assim penso) e indicar que arte&derivações (no que nos interessam) caminham não-assim. Mas... "eu e meu violão vamos pensando em vão no seu regresso" - o que tenho com isso, se estou preocupado com apresentações em playback na raíz da serra? Microfones, retorno, som, etc. Frente ao "arrebatamento" proponho "arrebentamento" (altas~ondas): pergunto porque não foi incluído o cinema em sua listagem (logo ele, que "é a maior diversão")? Arrebata aquilo que provoca movimento ondulatório dos pés aos cabelos: arrebata/arrebenta - frêmito/afogamento. Vamos lá: ré maior com sexta e nona com baixo em si.

Flor: Picto, a bipolaridade a que vc se refere não é uma característica apenas da modernidade... passada a inocência que nos obriga a amar ou odiar uma obra, vemos que ainda hoje somos colocados em encruzilhadas fechadas, aquelas de onde podemos escolher entre dois caminhos diferentes do qual estamos. Acontece que a partir daí outras encruzilhadas virão, abertas e fechadas, nas quais teremos não só duas escolhas possíveis mas três, quatro... Não acredito em arrebatamentos fulminantes, em trabalhos-situações impecáveis, dos quais não se tem dúvidas ou críticas a serem feitas. Os "fios" da poética devem permanecer soltos, passíveis de serem puxados e reaticulados. O tal arrebatamento ou arrebentamento está justamente no movimento conjunto, no eterno retorno, no cuidado de alguém que se propõe de alguma maneira atentar para um fio solto, tocá-lo, puxá-lo e se for possível, tecer outras tramas visíveis e invisíveis.

Pictotexto: Então, uma frase de efeito para terminar o programa....

FxJ: "contagem regressiva para o salto vindouro"

Flor: "Regard, ça c'est la vie"


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